Wednesday, June 20, 2007

Contos verticais

Sempre tive grande dificuldade em ordenar meus devaneios em bloco de prosas infinitas. As frases já me aparecem em forma de versos com rimas automáticas. Me dá um nó no juízo só em olhar pra cima e ver aquela parede de letrinhas.
Há algum tempo tento escrever contos, mas insisto em quebra-los em versos. As palavras resistem à prosa e se agrupam na vertical. Elas vêm quase cantadas como feitas pra canção. Quando vejo já ta feito. Concluindo, não tem jeito: rimo até em explicação.


Le votre goût

Era tarde, não da noite
De um sol bem morno
A praça cheia de pirralhos
Velhinhos e seus baralhos
meninas com seus adornos

Num horizonte, não distante
Uma sombra me desperta
Contra o sol, uma silhueta
linda saia e camiseta
pôs meus nervos em alerta

Apertando um pouco os olhos
Pude vê-la aproximar-se
Deslizando em seus chinelos
Estava pronta pro duelo
E eu em busca de um disfarce

Pra que armas usaria
se nem vou me defender?
Me olhando com ternura
Sussurrou sua doçura:
J'adorerais pour sentir votre goût

Olhei-a boquiaberto
E, já certo da resposta,
lhe propus um desafio
- Não me entenda um vadio
Só escute minha proposta.

Num momento de sandice
Eu lhe disse, rosto-a-rosto:
- Me traduz pra tua língua
que te mostro o meu gosto.

Wednesday, June 13, 2007

Coisa de Mulher

Quem foi que disse
Que homem nao gosta de flor?
Que nao acha o por do sol lindo?
Qual homem nunca dormiu chorando?
Qual deles nunca acordou sorrindo?

Quem te falou que pra ser homem de verdade
nao pode sentir medo
nem tremer a ponta dos dedos
Nem sentir saudade?

Confesso que a gente não nasceu com a manha
Que nem mulher quando se assanha
pedindo um pouco de carinho
Chega faceira, devagarinho
Faz um chamego, bebe uma taça de vinho

Não muito diferente do cabra valente, infezado
Basta pôr o amor do seu lado
logo recebe um cheiro no pé do pescoço
Vai ver ficar manso o cabra que era um grosso

Tem que acabar com esse negócio
de tanto casamento, tanto divórcio
que fulano é, ou fulana não é,
que isso é coisa de homem,
que aquilo é coisa de mulher

Quero encher o peito e soltar o grito
E entrar na igreja todo bonito
Ir até o padre e dizer Amém..
Se isso é coisa de mulher,
eu quero ser mulher também

Monday, June 11, 2007

Memorias de um arrepio



Você pode ter esquecido
mas minha memória é eterna
Eu sou aquele arrepio
sem vento e sem frio
subindo em sua perna

O grito comprimido num pote
O cheiro cheiroso
que te esquenta o cangote
Eu sou o inferno e a paz

O passado que vai à frente
e o presente correndo atrás
Aquele que te segue enquanto anda
tragando o aroma de mel e lavanda
Eu sou a sua libido viva

A gota saliva que escapole do beijo
escorre na louça e ilumina o que vejo
E mais do que justo segue sua trilha
atravessa seu busto e tranborda à virilha

Assim como essa gota
sou eu agora
Passeio em seu corpo
pouso em sua mão
e vou embora

Tuesday, June 5, 2007

1, 2, 3, salve eu!

Salve-me, salva-te
Salvemos nós
Salvo engano
a cada ano
ficamos mais sós

Salve a Terra ficando quente
E cada vez nasce mais gente
com o coração tão frio
Lacrimeja um filete de rio
Escorre pro mar que não mata a sede

Ah! Eu hei de fugir
Tu hás de esconder
Havemos de mentir
O sentido desse caos
Tantos e tantos bens
Com tantos e tantos maus

Salve o animal irracional
Escovem o pêlo e a crina
Limpem bem as patas
Apertem o nó da gravata

Lá vão eles pro congresso
Seguem em frente cavalgando
Cagando e andando
Pro nosso progresso

De longe ouve-se os gritos
Respeite o preto! Salve o verde!
A cruz vermelha e a febre amarela
Tão podre e colorido
Que ninguém se lembra dela

Terra d'água, aquarela
Ela, enfim, envelheceu
Poucos gritam: salve a Terra
Todos rogam: um, dois, três, salve eu!

Coisas fartas

Quantas coisas, poucas curtas
Curto coisas de ninguém
Quem não tem amor que parta
Tantas coisas, poucas fartas
Tanto farta que não tem



.